prezado chefe outro dia eu estava
conversando com uma formiga
e ela me contou
uma série de coisas que as formigas
do mundo inteiro andam ruminando
entre si
levo-as ao seu conhecimento
na esperança de que as transmita a outros
seres humanos e deixe-os bem aborrecidos
nenhum inseto gosta do ser humano
e a única razão pela qual eu o tolero
é porque você me parece ainda menos humano que os outros
eis o que as formigas estão dizendo
agora falta muito pouco
o homem fez da terra um deserto
agora falta pouco
para que o homem acabe com ela
de modo que só formigas
centopéias e escorpiões
consigam viver nela
o homem nos oprime há milhões de anos
mas ao mesmo tempo varre o chão
debaixo dos próprios pés
criando desertos desertos desertos
nós formigas nos lembramos
e temos tudo registrado
em nossa memória tribal
de quando gobi era um paraíso
fervilhando de formigas e riquezas
ideais à prosperidade humana
hoje é um deserto
lar de formigas centopéias e escorpiões
o que o homem chama de civilização
sempre resulta em desertos
o homem nunca se contenta
esgota a seiva e a gordura da terra
cada geração devora um pouco mais
do futuro com a sua ambição e luxúria
a áfrica do norte já foi um jardim
e então vieram cartago e roma
para despojar-lhe as riquezas
em seu lugar há agora o saara
ideal para formigas e centopéias
toltecas e astecas tiveram uma bela
civilização neste continente
mas devastaram de tal forma o seu
solo e a natureza
que agora só abrigam escorpiões
formigas e centopéias
e os desertos do oriente próximo
sucederam ao egito a babilônia e a assíria
e a roma a pérsia e a turquia
o escorpião sucedeu aos césares
e a formiga foi herdeira de gengis-cã
a américa já foi um paraíso
rico em rios e florestas
mas está morrendo por causa da ambição
e do dinheiro de mil pequenos reis
que cortaram toda a lenha que encontraram
e que não puderam ser contidos
e que mudaram até o clima
e roubaram as quedas das cascatas
mas agora falta pouco
muito pouco
para que seja tudo um só deserto
tão deserto quando os canions e as rochosas
os desertos estão chegando
os desertos se espraiando
as fontes e correntes ressecando
até que tudo seja um banco de areia
herdada por formigas
centopéias e escorpiões
os homens falam de dinheiro e de indústria
de crises e depressões
de finanças e economia
mas as formigas contentam-se em esperar
porque enquanto os homens falam
criam seus desertos mais depressa
belas secas e erosões
preparando os vastos desertos
para a nossa definitiva conquista
os homens não aprendem
as chuvas caem e descem os rios
carregando com elas a boa terra
porque já não há mais florestas
para aprisionar a água
na densa tessitura das raízes
falta pouco agora muito pouco
para que a terra seja estéril como a lua
e ressequida como um osso ao sol
prezado chefe passo-lhe essas informações
sem o menor temor de que a humanidade
delas tome conhecimento e se emende.
Don Marquis (1878-1937) era poeta, humorista e teatrólogo. A maioria dos seus poemas é assinado por archy, uma barata que durante à noite subia em sua máquina de escrever e pulava sobre as teclas. Esse poema foi publicado em 1927 e mais de 74 anos depois as formigas continuam conversando, cada vez mais animadas.